Diante do grande número de novidades legislativas em matéria tributária nos últimos três meses, buscamos explicar abaixo seu conteúdo e status da tramitação.
Em resumo, os principais assuntos afetados são (i) juros sobre capital próprio, (ii) tributação de investimentos de pessoas físicas no exterior, (iii) transações de débitos tributários perante a Procuradoria do Estado de São Paulo (iv) subvenções para investimento, (v) fundos de investimento e (vi) julgamentos no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Os temas serão tratados segregadamente a seguir.
- Projeto de Lei n° 4.258/2023
Assunto: Fim da Dedução dos Juros Sobre Capital Próprio (“JCP”).
Descrição: O Projeto de Lei (“PL”) n° 4.258/23 foi publicado em 31/08/2023 e busca vedar, a partir de janeiro de 2024, a dedução dos JCP da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sob o regime de apuração do lucro real.
Por outro lado, o PL garante que os JCP referentes ao ano-calendário de 2023, mesmo que sejam pagos em 2024, possam ser deduzidos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Em síntese, os JCP podem ser definidos como proventos pagos pelas empresas aos acionistas como forma de remunerar o capital investido, sendo calculados com base em taxa de juros predeterminada a ser aplicada sobre o patrimônio líquido. Tendo em vista a eficiência fiscal gerada pela sua dedutibilidade na apuração do lucro real, é comumente utilizado por empresas como estratégia alternativa ou combinada com distribuições de lucros.
Vigência: O projeto de lei ainda precisará ser aprovado pela Câmara dos Deputados e, posteriormente, pelo Senado Federal. Para ter validade já em 2024, o PL teria de ser aprovado até o fim de 2023 em respeito ao princípio da anterioridade.
- Projeto de Lei n° 4.173/2023:
Assunto: Tributação pelo Imposto de Renda de Pessoa Física sobre rendimentos de aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior.
Descrição: O Projeto de Lei nº 4.173/2023 foi apresentado ao Congresso Nacional em 29.08.2023 para dispor sobre a tributação dos ativos financeiros e estruturas de investimentos no exterior pertencentes a pessoas físicas residentes no Brasil. O texto também traz regras para a tributação dos trusts, instrumentos contratuais de planejamento sucessório de origem estrangeira ainda não regulamentos no Brasil.
O PL tem conteúdo similar ao apresentado na Medida Provisória (“MP”) nº 1.171/2023, a qual dispunha sobre a tributação de capital brasileiro no exterior e teve seu conteúdo posteriormente incorporado pela MP nº 1.172/2023, não tendo ocorrido a conversão em lei. Em face disso, foi proposto o PL n° 4.173/2023 em caráter de urgência para análise pela Câmara dos Deputados, replicando as seguintes principais condições previstas anteriormente na MP n° 1.171/2023:
- tributação anual dos lucros de entidades controladas no exterior (offshores, fundos de investimento e outros tipos societários) sob alíquotas de 0% a 22,5%, independentemente de sua distribuição aos acionistas. Atualmente, esses rendimentos se sujeitam à tributação no Brasil somente no momento da efetiva disponibilização para a pessoa física.
- A pessoa física com renda no exterior de até R$ 6 mil por ano estará sujeita à alíquota de 0% do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). A renda entre R$ 6 mil e R$ 50 mil por ano ficará sujeita à tributação pela alíquota de 15% do IRPF, enquanto a renda superior a R$ 50 mil ficará sujeita à alíquota de 22,5%; e
- Revogação da isenção de IRPF sobre ganhos de capital na alienação de bens no exterior adquiridos na condição de não-residente.
Com relação às novidades, o PL n° 4.173/2023 traz as seguintes principais alterações:
- Possibilidade de declaração de bens e direitos detidos pela entidade controlada no exterior como se fossem detidos diretamente pela pessoa física, hipótese em que as aplicações financeiras passariam a ser tributadas pelo regime de caixa. Essa opção seria irretratável por todo o período em que a pessoa física detivesse o investimento na controlada;
- Possibilidade de compensação de ganhos e perdas em investimentos no exterior realizados por pessoas físicas;
- Incorporação do lucro tributado das offshores ao custo de aquisição da empresa, o qual não será novamente tributado. Por sua vez, a variação cambial entre o lucro registrado como custo de aquisição do crédito do dividendo a receber e o valor em reais percebido posteriormente não será tributada;
- Inclusão de mútuo financeiro no conceito de aplicação financeira para fins de sujeição às regras de tributação pelo imposto sobre a renda;
- Obrigações para instituidores e beneficiários de trust, dentre as quais se destacam as seguintes: o settlor, caso esteja vivo, ou os beneficiários do trust, caso tenham conhecimento deste, deverão providenciar, no prazo de até 180 dias, contados da data da publicação da lei, a alteração da escritura de trust ou da respectiva letter of wishes, para fazer constar redação que obrigue, de forma irrevogável e irretratável, o atendimento das novas regras de tributação contidas no PL; e
- Faculdade de atualização do valor dos bens e direitos no exterior com base no valor de mercado passa a ser possível até 31.12.2023, com a sua diferença de valor sujeita ao pagamento do IRPF pela alíquota reduzida de 6%. Destaca-se que, até o dia 29/09, a alíquota era reduzida para 10%, mas foi alterada pelo relator da proposta em acordo com o Ministério da Fazenda. Nesse cenário, destaca-se que não haverá tributação sobre a variação cambial se os bens e direitos foram adquiridos com rendimentos auferidos em moeda estrangeira.
Vigência: O projeto de lei ainda precisará ser aprovado pelo Câmara dos Deputados e, posteriormente, pelo Senado Federal. Referido PL precisará ser convertido em lei até o final de 2023 para que produza efeitos a partir de 2024. Importante destacar que o PL em questão foi encaminhado pela Presidência da República em caráter de urgência, o que dispensa certas formalidades e acelera o processamento. Como última movimentação, o PL foi designado ao relator na Câmara dos Deputados em 02/10/2023.
- Projeto de Lei Estadual n° 1.245/2023:
Assunto: Transações de débitos estaduais inscritos em dívida ativa em São Paulo (“Transaciona SP”).
Descrição: Foi encaminhado à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (“ALESP”) o Projeto de Lei n° 1245/2023, o qual dispõe sobre a transação tributária e cobrança da dívida ativa vinculada a débitos estaduais em São Paulo.
A transação poderá contemplar os seguintes itens:
- a concessão de descontos nas multas, nos juros e nos demais acréscimos legais, inclusive honorários, relativos a créditos a serem transacionados que sejam classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, conforme critérios estabelecidos em ato do Procurador Geral do Estado;
- o oferecimento de prazos e formas de pagamento especiais, incluídos o diferimento, o parcelamento e a moratória;
- o oferecimento, a substituição ou a alienação de garantias e de constrições;
- a utilização de créditos acumulados e de ressarcimento de ICMS, inclusive na hipótese de Substituição Tributária – ICMS-ST, próprios ou adquiridos de terceiros, devidamente homologados pela autoridade competente, para compensação da dívida tributária principal de ICMS, multa e juros, limitada a 75% (setenta e cinco por cento) do valor do débito;
- possibilidade de transação tributária com pagamento do débito em até 120 parcelas, além da utilização de créditos de precatórios; e
- para os débitos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, poderão ser concedidos descontos nas multas, juros e demais acréscimos legais até o limite de 65% do valor total transacionado. Em tais débitos, caso a transação envolva pessoa natural, microempresa ou empresa de pequeno porte, os mesmos descontos podem chegar a 70% do valor total transacionado, com pagamento em até 145 parcelas.
Há, ainda, a previsão de transação de débitos de pequeno valor e de dívidas relativas a casos de relevante e disseminada controvérsia jurídica. A implantação desse modelo para os débitos de ICMS ainda dependerá de autorização em Convênio Confaz.
De acordo com o texto original, fica vedada, dentre outras disposições, a transação que envolva (i) débitos não inscritos em dívida ativa, (ii) redução de multa penal e seus encargos, (iii) débitos de ICMS de empresa optante pelo Simples Nacional, (iv) débito integralmente garantido por depósito, seguro garantia ou fiança bancária quando a ação ou os embargos à execução tenham transitado em julgado favoravelmente à fazenda do estado e (v) adicional de ICMS destinado ao Fundo Estadual de Combate à Pobreza.
Por último, o artigo 31 da redação original possibilita a inclusão do “Cadastro Fiscal Positivo”, o qual autoriza a Procuradoria Geral do Estado a criar condições para solução consensual dos conflitos tributários com incentivo à redução da litigiosidade.
Vigência: O PL foi encaminhado à Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Assembleia Legislativa de São Paulo (“ALESP”) em 28/09/2023, precisando passar por aprovação das comissões e do plenário da ALESP para posterior sanção ou veto pelo governador do estado.
- Medida Provisória n° 1.185/2023:
Assunto: Alteração das regras de subvenções para investimento no Brasil.
Descrição: Por meio da Medida Provisória (MP) n° 1.185, publicada em 31/08/2023, foi modificado inteiramente o atual sistema de isenção das subvenções para investimento no Brasil. Referidas subvenções são definidas em lei como incentivos destinados a garantir a viabilidade de empreendimentos econômicos, devendo o montante ser registrado no patrimônio líquido do contribuinte como “reserva de incentivos fiscais”. Até o advento da MP, o contribuinte que gozava de referidas subvenções poderia deixar de computá-las na determinação do lucro real (IRPJ e CSLL) e de inclui-las na base de cálculo do PIS/COFINS.
No entanto, a MP n° 1.185/2023 dispõe que as subvenções para investimento passam a ser tributadas pelo IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, podendo o contribuinte que receber as subvenções para investimento gozar de crédito fiscal que poderá ser compensado com os tributos federais ou ressarcido.
Esse crédito fiscal corresponderá à aplicação da alíquota do IRPJ sobre as receitas de subvenção do período, será registrado na Escrituração Contábil Fiscal – ECF da pessoa jurídica e estará condicionado à habilitação prévia da pessoa jurídica junto à RFB, estando limitado às receitas de subvenção reconhecidas até 31 de dezembro de 2028.
Vigência: A MP seguirá para discussão e aprovação pelo Congresso Nacional, no prazo de 60 dias prorrogáveis por igual período. Não havendo votação nesse período, a MP perderá seus efeitos. A proposta de início de efeitos da nova Medida Provisória é 1º de janeiro de 2024.
- Medida Provisória n° 1.184/2023:
Assunto: Tributação de aplicações em fundos de investimento no País.
Descrição: Por meio da Medida Provisória (MP) n° 1.184, publicada em 31/08/2023, foi apresentado novo regime de tributação para os fundos exclusivos, os quais ficarão sujeitos à incidência do IRPF sob a sistemática de come-cotas, que impõe a tributação periódica no último dia útil dos meses de maio e novembro.
Nesse cenário, seriam aplicáveis alíquotas distintas para cada tipo de fundo, sendo 15% para aqueles de longo prazo e 20% para os de curto prazo. Destaca-se que os FIPS, FIAS e ETFS, classificados como entidades de investimento, não estarão sujeitos ao come-cotas, sendo mantida a sistemática do diferimento, qual seja, aplicação de alíquota de 15% no momento da distribuição de rendimentos, amortização resgate ou alienação.
Os ganhos obtidos no mercado também sofrerão a incidência do IRPF e serão entregues pelo cotista ao administrador do fundo para fins de recolhimento do referido imposto. As perdas, por sua vez, poderão ser compensadas com os ganhos do mesmo fundo ou em outro fundo de mesmo administrador e mesmo regime de tributação.
Com relação à tributação do estoque dos rendimentos acumulados até 31.12.2023 nas aplicações dos fundos de investimentos que não estavam sujeitos ao come-cotas, mas que passarão a estar a partir do ano de 2024, teremos a possibilidade de (i) recolhimento até 31.05.2024 sob a alíquota de 15%, ou (ii) recolhimento, de forma antecipada, do imposto pelo cotista à alíquota reduzida de 10% se pago até o final do ano de 2023.
Vigência: a MP seguirá para discussão e aprovação pelo Congresso Nacional no prazo de 60 dias prorrogáveis por igual período. Não havendo a conclusão da votação nas duas Casas nesse período, a MP perderá seus efeitos. Caso a proposta for convertida em lei até o fim do ano de 2023, os seus efeitos terão aplicação imediata a partir de 2024.
- Lei n° 14.689/2023:
Assunto: Voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) e alterações no pagamento dos débitos fiscais.
Descrição: Foi sancionada a lei que reinstitui o voto de qualidade no âmbito do CARF. O Projeto de Lei nº 2.384/2023, que originou a lei, foi aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, contendo diversas alterações na redação original enviada pelo Poder Executivo.
Com a publicação da Lei nº 14.689/2023, volta a ser aplicado o voto de qualidade previsto no parágrafo 9º do artigo 25 do Decreto nº 70.235/1972, o qual pode ser definido como o voto de “minerva” efetuado pelo presidente do colegiado no caso de empate nos julgamentos do CARF. Considerando-se que o presidente do colegiado é sempre um representante do fisco, a decisão pelo voto de qualidade acarreta, na maioria dos casos, em desempate em favor da Fazenda Nacional. Antes da lei, estava vigente o desempate pró-contribuinte.
Por outro lado, a Lei n° 14.689/2023 traz algumas oportunidades ao contribuinte na hipótese em que a decisão lhe seja desfavorável por meio do voto de qualidade, as quais podem ser resumidas abaixo:
- Exclusão de multas e cancelamento da representação para fins penais;
- Possibilidade de pagamento sem juros, em até 12 parcelas mensais e com faculdade de uso de crédito de prejuízo fiscal e/ou de precatório, inclusive de controladora ou controlada, se a opção for exercida em até 90 dias depois da intimação da decisão;
- Exclusão dos encargos legais de até 20% em caso de discussão judicial;
- Possibilidade de dispensa da garantia em caso de discussão judicial, desde que comprovada a capacidade de adimplemento da dívida e outras formalidades;
- Redução da multa qualificada (casos de fraude, dolo e conluio) de 150% para 100%, sendo o percentual de 150% aplicável apenas para casos de reincidência; e
- A reincidência é caracterizada quando, no intervalo de 2 anos do lançamento, o sujeito passivo incorrer novamente em fraude, dolo ou conluio.
A Lei nº 14.689/2023 ainda traz importantes alterações com relação à transação tributária de débitos federais, dentre as quais destacam-se as seguintes:
- Crédito tributário pode ser reduzido em até 65% do valor total em cobrança (ou 70% para pessoas físicas, ME e EPP) nas hipóteses de transação por adesão no contencioso tributário;
- Possibilidade de utilização de precatórios, prejuízos fiscais e base negativa da CSLL na transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica; e
- Os créditos inscritos em dívida ativa da União em discussão judicial que tiverem sido resolvidos favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade poderão ser objeto de proposta de acordo de transação tributária específica, de iniciativa do sujeito passivo.
Outros temas foram abordados pela Lei n° 14.689/2023, tais como a possibilidade de realização de defesa oral pelo contribuinte na Delegacia da Receita Federal de Julgamento (“DRJ”), que é o órgão de primeira instância na esfera administrativa federal.
É importante ressaltar que foram vetados alguns trechos do Projeto de Lei que originou a lei n° 14.689/2023, os quais serão submetidos à apreciação do Congresso Nacional, que poderá mantê-los ou derrubá-los. Dentre os vetos, destacam-se os seguintes:
- PL aprovado no Congresso previa que haveria transação tributária com condições igualmente favoráveis para casos decididos pelo voto de qualidade que já estejam em tramitação no Judiciário;
- PL aprovado no Congresso previa que o seguro e a fiança apresentados pelo contribuinte no Judiciário (em quaisquer casos, independentemente do voto de qualidade) não poderiam ser executados antes do trânsito em julgado;
- Previa também que a Fazenda deveria ressarcir os custos de garantia incorridos pelos contribuintes, caso derrotada na discussão;
- Previa, ainda, condições para que contribuintes pudessem apresentar garantia apenas do principal das dívidas em discussão no Judiciário;
- Previa multa de ofício reduzida em hipóteses específicas.
Vigência: O texto foi sancionado em 21/09/2023 e já está em vigência. Por sua vez, os vetos serão submetidos à apreciação do Congresso Nacional, que poderá mantê-los ou derrubá-los. Sendo derrubados, passarão a viger de imediato.
Estamos acompanhando de perto os textos dos projetos de lei e medidas provisórias com o fito de mantê-los informados.